Trilogia

Não seriam mais de três, ele e mais dois, mas qual deles, não sei, o primeiro era gentil, quase serviçal e nunca se impunha aos outros dois, o segundo era arrogante, de um convencimento insuportável, tanto, mas tanto, que só se calava na presença do terceiro, o manipulador, dono das palavras e da razão, mesmo que aparente, condicionava o par que o seguia, poder que nunca rejeitou, usava-o sem displicência, os outros, esses, aceitavam a liderança sem conflito, tinham o seu espaço e isso bastava-lhes, não fosse ela e nada haveria a contar, o primeiro adorava-a, não tanto pela beleza mas pela candura, o deleite era total, o segundo encontrara uma ouvinte, coisa rara, e não desperdiçava nenhuma oportunidade para se elogiar, nem o olhar inquiridor dela lhe perturbava o monólogo, o terceiro conhecia bem o engodo, na mão alva e esguia ela escondia o cárcere mas continha-se, gostava de os ouvir, e se no primeiro não encontrava móbil maior do que a inocência, bastava-lhe escutar o segundo para reconhecer o mal insondável, verdade sempre interrompida pelo terceiro para que na razão não se perdessem os três, e nisto passavam os dias, ela sem saber a quem atender, eles à procura da liberdade, e tudo escurecia quando ela da mão desvendava o algoz, não seriam mais de duas pastilhas para mastigar, só, preparo seguro para a viagem ao inconsciente, vertigem, e se dos três nenhum será, não sei, nem eles, nem ela, o que ficava nunca se revelou, a medicação deixava-o prostrado numa letargia só desfeita por abstinência ou placebo, necessidade de mais ciência, a dela, pois eles eram só cobaias...


A loucura não é propriedade individual, a história encarregou-se de a transformar num legado da humanidade!


Nota: Este não é um tema fácil nem o texto é simples; socorri-me da pontuação mínima para dar "vertigem" à escrita. Pretendi divagar sobre a esquizofrenia, doença que conheci num amigo que já nos deixou por não saber lidar com a mesma. O não tomar um simples comprimido por dia decidiu-lhe a sorte. E era um ser genial, doente, mas genial.
Gostava de ver os vossos comentários; deu-me gozo escrevê-lo, dá-me muito mais gozo perceber-vos e aprender! Prerrogativa de ignorante.
Psicólogos, psiquiatras, médicos em geral, advogados, padres, professores, engenheiros e outros ignorantes... pronunciai-vos, qualquer que seja a vossa pronúncia...

26 comentários :: Trilogia

  1. Quais placebos! Os teus textos sim, têm um efeito letargico em mim, qual cobaia nas mãos de um imaginador.

  2. Myosotis: ainda bem que os meus textos servem para alguma coisa! :) Vale a pena escrever para isso, para que outros se alegrem com o que vou imaginando.
    Beijo grande

  3. Rapaz até o fim pensei que falavas do id, ego e superego. Se não me avisas ia em frente a compreender outra coisa. O que necessariamente não é ruim.
    Um abraço.

    Anónimo

    16/3/09 17:53

  4. Depois de um dia de trabalho, e de olhos já "doridos", li o teu texto, e pensei, não tarda viro três! Já estive mais longe... está tudo louco, eu tb!

    Fabuloso o teu ritmo, amanhã volto e leio-te de novo, menos louca, mais sã, quem sabe de outro prisma veja outra imagem, as vezes sinto-me assim mesmo, um monte de eus em plena crise existencial!

  5. L.S. Alves: bem, aposto que já tinhas a receita na mão! :D Espero que tenhas gostado, mesmo não tendo o final esperado.
    Abraço

    O2: hahahaha! O problema não é teu, o mundo está louco, mesmo! ;)
    O ritmo era necessário para introduzir alguma loucura, como o conflito entre os personagens e o deleite da médica!
    Beijos

  6. Eu neste assunto não sou mais que um "ignorante", no entanto pelo que sei há formas de atenuar esta doença, e hoje em dia as pessoas que sofrem deste mal já podem ter alguma qualiadde de vida, quando bem acompanhadas e medicadas.

  7. valentim: já somos 2! Preocupei-me mais com o enredo, mas não estou a ter público! :D
    Abraço

  8. A loucura é exactamente o quê? Onde é que ela começa e onde é que ela acaba? A loucura é demasiado subjectiva para se a poder catalogar!Quem são os detentores da verdade, quem os nomeou? Ás vezes parece-me que os mais loucos são os mais sãos...a loucura é uma divindade dos deuses...já o dizia Jim Morrison!
    beijinhos

  9. Parece-me que ninguém vai discordar se eu disser que a esquizofrenia é uma doença mental grave. É um facto. Não deve ser fácil passar a vida a ter delírios e alucinações, ou depender para sempre de antipsicóticos para funcionar relativamente bem no dia-a-dia. Curiosamente conheço uma pessoa com esquizofrenia paranóide, é um homem, e também é extremamente inteligente. Apesar de todas as suas limitações, que são um facto, posso dizer pelo conheço dele que é simplesmente brilhante em todos os sentidos. Há um estudo bastante conhecido que identificou um gene que é comum às pessoas com esquizofrenia e aos que têm uma inteligência muito acima da média. A partir daí começou a especular-se que a esquizofrenia surge devido a uma incapacidade do cérebro para lidar com essa condição e competências excessivamente desenvolvidas, por assim dizer. Não sei até que ponto isso é verdade, não conheço a investigação em profundidade.
    Quanto à normalidade...é um conceito que tem mesmo muito que se lhe diga. No fundo o "anormal" é tudo aquilo que é considerado normal, o que os diferencia é a intensidade, a frequência e por vezes o contexto em que os comportamentos ocorrem. No fundo quem é que não ouve vozes? Todos ouvimos. Simplesmente a maior parte de nós ouve vozes vindas de fora. E essas também ouvem vozes, mas a diferença é que são vozes que mais ninguém ouve, vêem coisas que mais ninguém vê e experienciam a realidade de uma forma diferente. Ninguém consegue comprovar o que é real - se é a vida que nós vivemos, ou se é a vida que eles vivem. Além disso, há pessoas que vêem e ouvem coisas que mais ninguém vê ou ouve e não é por isso que têm esquizofrenia - podem ter outras coisas. Portanto, há aqui limites muito tenues, entre os conceitos de normalidade e anormalidade, e mesmo entre diferentes perturbações.

    beijinhos
    O texto foi muito interessante e original;)Peço desculpa pelo tamanho do comentário, saiu-me assim...

  10. E essa imagem...não sei se foi de propósito, mas parece o teste de Rorschach ahaha Muito original;)

  11. a perfeita combinação entre as palavras e a imagem!!!

  12. Sim, o texto nao podia ser fácil. Sendo linear, seguindo as métricas, nao seria nunca apropriado. N

    Concordo que a loucura seja nao um legado, mas antes um património da Humanidade. A esquizofrenia é só uma vertente...

  13. missixty: gosto da loucura saudável, não gosto muito de pessoas perfeitas sem um vício que me garanta que são gente normal. O Jim Morrison dizia o que referes sob o efeito de ácidos e acabou num cemitério parisiense... endeusado. Por curiosidade, sabias que o risco de esquizofrenia com a heroína começa na primeira toma? Isto sim, é alucinante.
    Tenho de discordar de ti quanto à catalogação das loucuras, e falo das do foro neurológico. Ainda bem que estão identificadas e que há tratamentos para minorar os seus efeitos. Aqui a medicina ainda vai ter de evoluir muito, mas já deu passos de gigante.
    Beijos

    Mona Lisa: Lisa, Lisa, que dizer. Tudo o que dizes está correcto. Em 2001 fez-se essa correlação, hoje acrescentam-se mais variáveis, mas certezas, nenhumas. Para quem quiser ter uma referência sobre o tema em português pode ler algo na Medipédia; para quem quiser estudar o tema deixo uma referência, Mayo Clinic.
    A imagem é uma baseada no teste de Rorschach, claramente, não há escolhas inocentes! ;)
    Quanto à normalidade... tu entraste no campo filosófico, muito para além do comportamental. Ninguém pode provar o que é real...
    Ao nível morfológico, de facto, a interpretação da realidade depende do referencial e da unidade de medida. A forma como eu interpreto o azul do céu será certamente diferente do teu, ligeiramente dirás, mas diferente. Já imaginaste que a visão tem cores ligeiramente diferentes para cada um, e não é necessário ser daltónico para se pressentir isso, pois na transição de algumas cores haverá quem as detecte num momento e outros noutro. Esta ideia de cada um ter cinco sentidos interpretados pelo cérebro de forma distinta (se conheceres algum estudo sobre esta indução minha gostava de o conhecer) cria, de per si, realidades diferentes.
    Depois, e agora do ponto de vista filosófico, penso que já falámos sobre isso, não há factos mas observações (tu viste a água a correr na tua fonte, eu não sei se a fonte está seca mas faço fé nas tuas palavras), não há leis mas interpretações (as leis são baseadas em factos, mas se forem meras observações podemos admitir que elas possam estar mal formuladas. E assim é, as leis reformulam-se pois o conhecimento avança e mostra-nos novas realidades). E se a realidade pode ser questionada, então a contemplação será um exercício belo mas inútil porque não oferece respostas. É como olhar para a maior mentira, olhar o céu estrelado à noite com estrelas a milhões de anos luz e, só por isso, inexistente... é como se olhasses para uma foto com milhões de anos, uma distorção que nunca será corrigida; é caso para questionarmos, como será o Universo? Diverso, muito diverso do que se imagina, porque muito do que vemos já não existe, e muito do que é novo ainda não vemos. Haverá maior pantomina do que esta, o Sol esconder-se para nos mostrar uma mentira?
    Acho que este tema dá direito a um post, fá-lo-ei a tempo. Isto de ser ignorante dá muito trabalho, o que vale é a minha juventude... amanhã vou ao ginásio recuperar das respostas aos comentários; é tudo uma questão de normalidade! :)
    (comentários longos, está à vontade, desde que eu possa dar respostas longas... mesmo que sejam absurdas ;)
    Beijos

    Saltos Altos Vermelhos: nunca ninguém me disse que a minha escrita era um borrão de forma tão eloquente! :D
    Já sei o apelido, mas ainda não me disseste se és a Rita?
    Beijos

    Daniel Silva: felizmente a língua é rica e a pontuação permite-nos transmitir e acentuar o racional e o irracional dos pensamentos reais ou imaginados. Parece uma contradição, mas não é!
    Quanto à loucura, e foste o primeiro a comentar a minha nota de rodapé, é de facto um património da humanidade. Aqui quis evocar a loucura colectiva; a guerra, a pobreza extrema, as agressões ao ambiente, a inexistência de valores comuns, os muros históricos e religiosos entre os povos, etc. A sociedade sempre esteve doente e a globalização trouxe novas doenças. Só o tempo as poderá sarar.
    Abraço

  14. Depois de ler o teu texto 3 vezes, talvez para conseguir perspectivar cada um dos pontos de vista, é inimaginável como deve ficar esta mente, se a mim me basta por vezes falar um pouco sozinha para me considerar a alucinar com conta peso e medida e a ficar louca (q.b.)...
    A mente encerra mistérios e o desconhecido é considerado anormal, julgo que se deveria investigar profundamente o cérebro humano tido como normal, pois dentro dele ainda está imenso por descobrir.
    As doenças neurológicas são por vezes saltos na evolução, pelo que já li e ouvi sobre este assunto e ainda não os encontramos preparados para as aceitar nem sequer existem soluções aceitáveis para quem padece delas.
    É a modesta opinião de uma leiga neste assunto.
    Beijocas

  15. Karochinha: interessante, a ideia de ler o texto 3 vezes na cabeça de cada um deles. Isto levado ao expoente máximo dava uma ficção gira, aliás, há um filme em que entra o Richard Gere como advogado e o qual é ludibriado por um personagem semelhante à que descrevo, Edward Norton, e tipo que simula ser esquizofrénico e que assim se safa. O filme chama-se Primal Fear, em português "verdade é o que eu conto no tribunal". Vale a pena ver!

  16. Já o vi sim, apesar de ser antigo e o ter visto há imenso tempo, vale a pena é ver de novo, boa sugestão ;)!
    Vou ver se o alugo!!!
    Beijocas

  17. Karochinha: aproveita! ;)

  18. começo por te perguntar em jeito de queixa e crítica (construtiva claro..) se o teu texto não podia ter pontos parágrafos e com um pouco mais de espaçamento.. é que me custou um pouco a lê-lo..

    Qt ao seu conteúdo.. a esquizofrenia é uma das doenças que mais me fascina.. claro q concordo com a Mona Lisa, é grave, e tu infelizmente sabes isso, porém é tb uma das doenças mais curiosas e q me suscitam uma enorme vontade de a entender..

    Como deves saber, o meu poeta preferido sofria desta doença, Fernando Pessoa.. e pra mim foi um génio..

    Sabes, há tempos escutei ou li (por vezes fica tudo meio baralhado cá dentro..) q o mundo avança graças a pessoas assim.. a pessoas diferentes.. génios.. loucos.. e por vezes a fronteira entre estes dois é tão ténue n achas?

    Belo tema, texto e combinação com a imagem..

    Um abraço!


    PS:n sei se conheces o meu blog onde escrevo.. o karpe diem.. é q o das imagens está sempre com mais "pó".. ;)

  19. Karlitus: hahaha! Tens toda a razão, mas eu escrevi assim de propósito. Aliás, está explicado na Nota por baixo da foto. A intenção era dar vertigem ao texto, tirar-lhe parte do nexo, complicar a leitura como se tentássemos ler uma mente esquizofrénica. Consegui! :)
    Há de factos génios; poetas, filósofos, cientistas, etc. Como escrevi na Nota, conheci um. Conheço, também duas pessoas bipolares. Não convivo com elas, mas sei a gravidade da situação. Enfim, maleitas.
    Pior, é convivermos com pessoas ditas "normais" e, no fundo, terem desvios estruturais (de carácter, etc.). Abordei uma das dimensões deste problema no post "sexta-feira 13", escreverei mais sobre o tema com tempo.
    Vou ter que ir ao Karpe Diem que não conheço, obrigado pela referência.
    Abraço!

  20. Olá!

    Venho aqui pra dizer algo que já deve estar acostumado a ouvir: parabéns! Adorei o texto e adorei o blog!

    É muito bom quando encontramos pessoas com um verdadeiro talento para a escrita. Elas são capazes de nos transportar da cadeira que estamos sentados e da frente de um computador para outros fantásticos universos.

    Encontrei sei blog por acaso. E fico muito feliz por isso.

    Voltarei mais vezes, com certeza!

    Anónimo

    17/3/09 20:24

  21. Hhuuumm...vou ter de ler isto outra vez, lol! :P

  22. Carmin: não resisto a dizer que me envergonho, pois não tenho essa ideia de mim. Sou aprendiz, sei que tenho algum jeito, mas falta-me muito para o fascínio. Agradeço, babado, mas com plena consciência do eu. És uma querida, e pela bondade o meu obrigado!
    Beijos

    Lu.a: lê, e não te preocupes se houver algo desconexo, era essa a intenção! :)
    Beijos

  23. Só para completar a ideia do Karlytus...
    Eu também adoro Fernando Pessoa, mas sinceramente duvido muito que tenha sido esquizofrénico. Acho que era apenas uma pessoa muito à frente para o seu tempo, daí que se calhar se sentia incompreendido e solitário, acabando por criar várias personalidades/identidades para preencher o vazio. Provavelmente tinha despersonalização/desrealização..isso sim, até acredito...mas daí até à esquizofrenia vai um grande passo, digo eu...
    beijos

  24. Mona Lisa: concordo! Como és psicóloga, ou quase, não posso cometer gafes. Seria um bipolar com episódios psicóticos. Hoje sabemos que ele teve dezenas de heterónimos, um génio que legámos à humanidade! Traduzam-no e divulguem-no, vale muito mais do que o Paulo Coelho mas vende menos...
    Beijinhos

  25. O desassossego nem sempre é sinónimo de loucura. É apenas uma maneira de ser. Consegui ler o teu texto sem me perder. Por vezes, também me sinto assim, "labirintica".

  26. 100 remos: somos nós que criamos os labirintos, para outros serão caminhos claros. Esta dictomina entre a normalidade e a loucura é tão ténue!

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