Desfocado

As luzes começam a esbater-se lentamente. O silêncio acompanha a escuridão a anunciar não a ausência de tudo mas, pelo contrário, o início da novidade. Ouvem-se os rodízios a chiarem com o movimento do pano. O espectáculo vai começar.

Em simultâneo, vários focos acendem-se apontando o céu. Os corpos vestidos de negro que os seguram deslocam-se em movimentos erráticos no palco. Não há mais som para além dos passos descoordenados.

Subitamente, uma cara entra em cena iluminada pelo seu próprio foco, é mulher e não terá mais de 30 anos. A velocidade que imprime no ziguezaguear que faz por entre os outros focos é acompanhada pelos sons espaçados de uma flauta. Pára, lança agora o foco para cima a imitar os restantes. A flauta deixa de tocar como se toda a vida daquele foco tivesse ficado esgotado.

Num passo cada vez mais acelerado aponta agora o foco em frente na procura das restantes caras. A flauta solta sons estridentes no meio de uma melodia pausada. Tristes, felizes, admiradas, indiferentes, são estas as caras que encontra. A sua, porém, nunca sorri. Em desespero pousa o foco, terá desistido? O foco roda sobre si mesmo em solavancos até se deter nos pés de alguém que não tinha luz.

Como é belo aquele corpo iluminado por baixo. Ele, assustado, dá um passo atrás ficando somente com os pés no lusco-fusco. Ouvem-se passos; ela está ao lado dele, os pés iluminados de ambos denunciam-nos. Os outros focos começam a agitar-se enquanto se vão aproximando. A flauta calou-se, ouve-se só o som de um tambor como se de um coração se tratasse.

Os focos estão agora unidos a apontar o céu. Em uníssono e num movimento circular de cima para baixo, concentram-se todos no par enamorado como se a felicidade deste os incomodasse. A flauta solta um som continuado, uma lamúria, enquanto o casal desfalece no palco. Os focos apagam-se, nem todos ao mesmo tempo, a fugir da culpa, evitam a vergonha.




À falta de música para o texto, seria necessário compô-la, deixo-vos este delírio: Opera Diva(*) do filme O Quinto Elemento por Inva Mula Tchako.



(*) "The Diva Dance opera performance featured music from Gaetano Donizetti's Lucia di Lammermoor "Il dolce suono", the mad scene of Act III, Scene I, and was sung by Albanian soprano Inva Mula-Tchako, while the role of Plavalaguna was played by French actress Maïwenn Le Besco. Part One (titled Lucia di Lammermoor) and Part Two (titled The Diva Dance) of this piece are included as separate tracks on The Fifth Element soundtrack, but are sequenced to create the effect of the entire performance seen in the film. The end of Part One blends into the beginning of Part Two, creating a smooth transition between the two tracks."

16 comentários :: Desfocado

  1. Clap, clap, clap, clap, clap... bis!!!

  2. Lurba: acho que eles não repetem, mas espero que a peça não saia de cena! :) Eles agradecem as palmas, eu sorrio.
    Bjs

  3. Aos outros: querem ver que a peça só tinha uma espectadora? Mau, assim sendo vou-me dedicar à pintura! :D

  4. Como sempre grande palavras, grandes histórias com uma beleza grande , mas no entanto,na minha opinião um tanto ou quanto tristes, transmitem um vazio...

    Vê se escreves algo mais animado :)

    Deixo-te aqui algo para veres , se quiseres claro... o meu blog

    Ainda estou a trabalhar nele, a conheçer ferramentas para o melhorar.... sou casula neste meio , que conheci através de ti ....

    Não fiques chocado porque não tenho o dom das boas palavras , nem sei as conjugar

    Enjoy!!!

  5. bluebutterfly: os meus textos transmitem um vazio? Bolas, eu pensava o contrário... :D Se quiseres algo mais animado vê o texto anterior! :)
    Entraste na blogoesfera, boa! Bons escritos e boas ideias, sei que vais fazer algo giro!
    I will enjoy!

  6. Me encanta la sonoridad de tu idioma, y me he propuesto aprenderlo, espero poder hacer algun curso completo, a mi tambien me gustó la parte de la opera del quinto elemento

  7. Um bom-fim-de-semana para ti!

  8. Uma simples busca por uma palavra ao acaso, trouxe-me a este teu mundo maravilhoso onde as tuas palavras são o reflexo de ti neste espelho onde qualquer um pode admirar a grandeza deste teu sentir...
    Gostei imenso de aqui ter passado, neste dia ensolarado, ao acaso, num acaso do momento...

    Beijo

  9. cuentos brujos: muy bien! Tens então de aprender a falar português, uma vez que já o consegues ler bem. Não sei se aqui vais aprender bom português, eu sou um aprendiz de português, como tu, mas volta sempre, é um prazer ter "un hermano" aqui no blogue.
    Abraço

    Andreia: obrigado. O mesmo para ti.

    impulsos: bem... grandeza do meu sentir? Agradeço-te o exagero, mas é simpatia de quem me leu e não me conhece! :) Os acasos são o melhor da vida, não se procura, encontra-se, e não há surpresa maior. Volta por impulso ou por vontade.
    Beijo

  10. Tens razão, ninguém (ou quase) entende as mulheres, muitas vezes nem elas se entendem a si mesmas!!

    Bem, o Freud era um homem bastante avançado para o seu tempo, se bem que aquela teoria de que as mulheres têm inveja dos homens por eles terem um órgão sexual diferente não me convence! Mas tmbém não nos podemos esquecer que até esse senhor tinha uma mulher tão inteligente como ele ao seu lado e que só por um acaso era sua filha!!!

    beijo para ti*

  11. Muito linda a música.
    Gostei muito do seu blog.
    Te linkei no meu.
    E obrigada pela visita.

    Bjks.

  12. Bela encenação!
    Também sou aprendiz e a busca é necessária e constante!
    Beijo!

  13. Sinto um pouco de tristeza no seu texto...
    Lindo texto, lindo o seu modo de escrever, tem uma magia que nos faz penetrar fundo a alma...
    Obrigada pela sua visita no meu
    Que vc tenha um lindo Sábado
    Beijos
    :)

  14. flor: ah! a inveja do pénis! :D Há sempre mulheres inteligentes por perto dos homens, inteligentes ou não! Que o digam muitos monarcas, empresários, cientistas... homens de sucesso em geral! ;)
    Beijo

    annie manuela: a música é soberba. Obrigado pela ligação. Penso que esse é uma forma de se criarem redes na blogoesfera.
    Bjks

    eneida: sim, é uma encenação que ainda não foi levada a palco! :) Mas acredita, quando a escrevi (e podia alongá-la bastante), imaginei-a como um bailado moderno. Enfim, delírios! :)
    Beijo

    gabyshiffer: este texto é triste, mas não os anteriores. Afinal, temos de escrever um pouco de tudo, não fechar as emoções às cores fortes, as outras também fazem parte da palete da vida. :)
    Beijos

  15. Pois é,
    mas é só no texto...
    na realidade não somos tão exigentes assim
    com vc mesmo disse...
    Ninguém vai querer ficar só né
    Boa noite pra vc
    Beijos

  16. gabyfisher: ficar só pode ser uma opção, eu prefiro a companhia mas não a qualquer custo! :)
    No final o importante é a felicidade, o resto são detalhes.
    Beijos

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