30 segundos

"30 segundos", nem mais, nem menos... o tempo é inexorável, quase implacável quando escasseia e dele fazemos fé. "30 segundos" em todos os poros naquele corpo jovem. Não teria mais de 19 anos, com a fragilidade de quem ainda resiste à puberdade. "30 segundos" que já não eram, nem para ele nem para os outros que o acompanhavam. O som era estonteante, tanto, mas tanto que ele se imaginava a caminho do cadafalso. Olhou os olhos em frente, no lusco-fusco, como eram belos. Ela seria enfermeira, jamais empunharia uma arma, mas tal como ele tinha medo. "30 segundos" que nem eram metade. O calor insuportável fazia do ar rarefeito um forno lento e seguro. Estavam todos entorpecidos e ainda bem, pois o que os esperava não pedia discernimento ou hesitação. "30 segundos" quase no fim. Agora todos sabiam que nada seria como dantes. Os risos espontâneos, as conversas sem substância, o prazer de não se ter de pensar; nada, o que ficava para trás era agora o nada. "30 segundos" no virar da curva. O tanque pára num movimento inesperado, brutal, lançando-o contra a parede oposta. Nunca mais estaria tão perto da enfermeira. As portas abriram-se e num movimento mecânico todos saíram ao encontro do tenente que gritava "go-go-go!". Ninguém lhes dissera qual o objectivo. O edifício era mesmo ali, imponente, num cimento que nunca conhecera pintura. Entraram. "30 segundos" que já não eram. A arma estava agora destravada. Sentia nas mãos a vertigem da morte próxima. Alguém pontapeara a porta escaqueirando as lamelas de par-em-par. Foi ele o primeiro a entrar. A rajada acompanhou-o, nunca parou de metralhar. Nem se apercebeu do grito no olhar apavorado de uma mulher que protegia duas crianças. Só o final do carregador o fez hesitar. Ela, ainda perplexa, mirava-o já marcada pela morte. No peito e abdómen várias munições deixaram as suas marcas. "30 segundos" e tudo acabara ali. Nassiria, uma bela palestina, olhava pela última vez o namorado judeu que cumpria serviço militar em Israel. Namoravam há 3 anos um amor sincero, nascido numa pequena cidade americana. Hoje seria diferente, uma eternidade para um amor se quedar no além. Há vidas mais curtas, mas poucas tão cruéis. Isac, esse, nunca mais viveria "30 segundos", não; horas, minutos e segundos acabaram ali.



Texto e melodia no mesmo cocktail!

10 comentários :: 30 segundos

  1. Brilhantemente escrito! Adorei o post.
    ...não suporto a falta de humanidade do conflito em Gaza...de todos os conflitos...de todos os que morrem, passam fome e perdem o sonho.

    Um bom ano para ti :-)

  2. Por vezes perdemos a noção do tempo.
    Há horas que parecem segundos… segundos que parecem horas!!!
    Neste caso, 30 segundos bastaram para que se desse o encontro…
    Beijos, adorei o texto… e a forma como em segundos nasceu, para o acompanhar a música está óptima, sugiro tb. um bom vinho tinto, pode ser?

  3. Li e voltei a ler o post...adorei!

    Parabéns pelo blogue!
    Um Excelente Ano para ti!
    beijos

  4. Este comentário foi removido pelo autor.
  5. Vitimas inocentes de um ódio secular
    Vamos acabar com a guerra?

  6. Gostei muito !!!
    Em " 30 segundos " tudo pode começar ou acabar....
    A vida é mesmo assim , em segundos tudo pode acontecer ....
    É pena que que não se dê valor a cada segundo e se perca tempo com um numero infinito de acções que só levam ao fim ...........

    Mary Mary :)

    Anónimo

    7/1/09 23:33

  7. Adorei o texto, escreves muito bem!

  8. Um bom dia para ti!

  9. Este comentário foi colocado por alguém no post anterior. Como se destinava a este artigo, fica aqui para que eu o responda a tempo. Lamento que não tenha assinatura, pois gostei da aproximação e não vou resistir a responder mais tarde.

    O texto nem está mal escrito. Só que é de um romantismo muito soft e old fashion.

    Só que os namorados não precisavam de se conhecer na América, pois Israel dá trabalho e emprego a muitos deles, dos que não se vinham explodir e semear o terror.Por causa disso se fizeram os tais check-point de que fala a esquerdalhada imbecil e outros ignorantes de contextos históricos e sociais.
    Quanto à linda palestiniana, tinha sorte em namoprar com um Isaac, porque na Cultura dela, estaria quanto muito destinada a ser uma terceira ou quarta esposa de um seguidor hamas.Ou a ser lapidada na via póblica se desconfiassem da sua fidelidade.

    A realidade, a vida, são muito mais complexas e absurdas que a ficção soft, as "belezas" e os "bons sentimentos".

    Anónimo

  10. Montanha azul: obrigado. Não pretendi ser moralista, não vencedores nem vencidos. A guerra será sempre uma estupidez.

    Lurba: ok! vinho tinto e uma lareira! :) Já agora, qual é o vinho?

    Carminho: és sempre bem vinda; mas se releres os meus posts... vais apanhar as minhas incongroências! :)

    Valentim Coelho: concordo! E os piores são os que de fora os atiçam!

    MaRY Mary: o texto pretendia enaltecer essa ideia, a importância de cada momento! É por isso que eu abuso dos meus! ;)

    Mona Lisa: obrigado! E tu foste muito bem pintada! :)

    Andreia: obrigado! E leste o texto? ;)

    Anónimo: agradeço desde já a referência à escrita e a correcção a Isaac (mas dou-me a liberdades na língua voluntariamente, já o Aquilino...). Quanto ao resto, respeito a tua opinião que se não fosse tão radical até era correcta. Isto é, a violência é gratuita de ambos os lados. Ambos têm direito a existir e à paz!
    Quanto à poesia da vida, lamento, mas quando a perdemos deixamos de sonhar... e antes bimbo do que cinzento!
    Abraço

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